Ouro, o refúgio que pode afundar

Entre guerras, retórica política e euforia técnica, o ouro atingiu extremos que antecipam uma forte correcção.

Revista Risco
Setembro 16, 2025
10:59

Por: Adelino Matos, Formador da Escola Trading

Nos últimos meses, o ouro tem conquistado os holofotes ao atingir máximos históricos, impulsionados por um clima global de tensão geopolítica, receio económico e instabilidade nos mercados. Enquanto os principais índices bolsistas recuam, o metal precioso é procurado como porto seguro, um comportamento clássico em tempos de incerteza. No entanto, por detrás desta corrida ao ouro, há sinais evidentes de sobrevalorização técnica e emocional.
Como analista técnico e trader, reconheço que os mercados são cíclicos e que os excessos, tanto na euforia como no medo, tendem a corrigir-se. Este artigo propõe uma leitura mais fria e objectiva dos factos, combinando análise fundamental e técnica para compreender por que razão o ouro, apesar de estar em alta, poderá estar prestes a perder fôlego.
Convido-o a acompanhar uma reflexão que atravessa a influência política de Donald Trump, o impacto das guerras, os dados históricos de compra de ouro e o comportamento volátil dos mercados financeiros. Porque nem tudo o que reluz é ouro, sobretudo quando brilha de mais.

Um mercado marcado pelo medo
O ouro tem vindo a destacar-se como um dos activos mais procurados pelos investidores nos últimos meses, reflectindo uma crescente percepção de risco que se instalou nos mercados financeiros globais. Desde o início da pandemia de Covid-19, passando pelos conflitos na Ucrânia e, mais recentemente, no Médio Oriente, o ambiente geopolítico tem-se tornado cada vez mais instável. A estes factores junta-se ainda a incerteza política nos Estados Unidos, agravada agora pela presidência de Donald Trump, cujo regresso à Casa Branca, em 2025, gerou reacções mistas entre os investidores.
Num cenário marcado por receios de recessão, subida das taxas de juro, inflação persistente e elevada incerteza internacional, o ouro tem, mais uma vez, desempenhado o seu papel tradicional de activo de refúgio. A sua valorização acentuada é, em grande medida, uma resposta emocional e histórica dos mercados à necessidade de protecção do capital em tempos de turbulência. Contudo, o excesso de procura e a narrativa de “porto seguro absoluto” podem também gerar distorções significativas na valorização do activo.
Este comportamento não é novo. Ao longo da história, o ouro tende a subir sempre que o medo domina os mercados. Mas, como qualquer outro activo financeiro, também o ouro é vulnerável a exageros e é justamente essa possibilidade de excesso, tanto técnico como emocional, que merece ser analisada com maior atenção.

Contexto geopolítico e económico
A valorização recente do ouro está intrinsecamente ligada à crescente instabilidade geopolítica e às incertezas económicas que têm marcado os mercados globais desde 2020. A pandemia de Covid-19 foi o primeiro grande abalo, não apenas no plano sanitário, mas também na confiança económica global. O encerramento de economias, as rupturas nas cadeias de abastecimento e os pacotes de estímulo sem precedentes contribuíram para o aumento da inflação e da dívida pública em diversas geografias.
Seguiram-se os conflitos armados, com destaque para a invasão da Ucrânia pela Rússia, que trouxe de volta à Europa um cenário de guerra em larga escala. Mais recentemente, a escalada da tensão no Médio Oriente reacendeu os receios de um conflito regional prolongado, com impacto nos preços da energia, na inflação e na segurança global. Todos estes factores contribuem para a percepção de risco sistémico, alimentando a procura por activos considerados mais seguros, como o ouro.
Acresce a esta conjuntura a nova presidência de Donald Trump, que regressou à Casa Branca após vencer as eleições de 2024. A sua liderança continua a gerar forte polarização e volatilidade nos mercados. O discurso proteccionista e imprevisível de Trump exerce influência directa não só nos mercados bolsistas, mas também nas relações comerciais, nos fluxos de capitais e nas expectativas dos investidores globais. As suas declarações, muitas vezes feitas em tom populista ou disruptivo, provocam reacções imediatas nos activos de risco e reforçam o apelo por refúgios tradicionais, como o ouro.
Este cenário geopolítico e económico ajuda a explicar a escalada do preço do metal precioso, mas levanta também questões importantes sobre a sustentabilidade dessa valorização. Estaremos perante um movimento justificado pela realidade, ou já num território mais dominado pela emoção do que pela razão?

Ouro, dados históricos e comportamento recente do mercado
A procura por ouro atingiu níveis sem precedentes nos últimos anos, com destaque para o forte aumento das compras por bancos centrais, fundos institucionais e investidores particulares. Segundo dados recentemente divulgados, nunca se comprou e vendeu tanto ouro na última década como nos últimos trimestres, reflexo directo da desconfiança generalizada em relação à estabilidade financeira global. A incerteza económica, agravada pelos conflitos geopolíticos e pela instabilidade política, tem levado os investidores a procurar protecção no metal precioso, considerado um porto seguro em tempos de turbulência.
O preço do ouro registou uma valorização significativa desde o início de 2023, atingindo o seu máximo histórico em Abril de 2025, quando alcançou os 3.500 dólares por onça. Este novo recorde foi atingido num contexto de elevada aversão ao risco, com os mercados bolsistas a sofrerem fortes correcções e a confiança dos investidores a deteriorar-se de forma acentuada. Esta descorrelação reforça a narrativa de que o ouro é visto, neste momento, como um escudo contra a volatilidade e a possível perda de valor de outros activos, nomeadamente acções e obrigações.
Contudo, uma análise técnica revela que este movimento poderá ter ultrapassado os fundamentos económicos. Indicadores como o RSI (Índice de Força Relativa) e as bandas de Bollinger apontam para uma situação de sobrecompra, sugerindo que o ouro poderá estar a transitar de um contexto de valorização sustentada para uma fase de euforia. A evolução dos preços encontra-se significativamente afastada das médias móveis de longo prazo, o que historicamente precede correcções ou, pelo menos, fases de consolidação.
Ao analisar o comportamento passado do ouro, é evidente que períodos de subida acentuada tendem a ser seguidos por correcções igualmente marcadas, à medida que os factores de medo se dissipam ou que os investidores procuram realizar ganhos. Se, nos próximos meses, a política monetária global estabilizar, a inflação continuar a recuar e os mercados bolsistas ganharem fôlego, é expectável que o ouro perca parte do seu apelo imediato, regressando a preços mais próximos das suas médias históricas.

Análise técnica e fundamental do ouro
A recente valorização do ouro tem sido sustentada, em grande medida, pela percepção de risco global, mas, ao analisar os dados com maior detalhe, torna-se evidente que os preços actuais já incorporam uma dose significativa de expectativa e emoção. Do ponto de vista fundamental, a procura tem sido impulsionada por factores como o aumento das reservas por parte de bancos centrais, a desvalorização relativa de moedas fiduciárias e o receio quanto à estabilidade financeira. No entanto, estes elementos parecem já estar reflectidos, de forma quase plena, nas cotações actuais.
Os principais indicadores técnicos apontam para uma situação de sobrecompra. O RSI (Índice de Força Relativa) mantém-se acima dos 70 pontos, sinalizando uma possível exaustão da tendência de subida. As bandas de Bollinger mostram uma expansão acentuada, o que é típico de momentos de euforia nos mercados, quando a volatilidade aumenta substancialmente. Além disso, os preços encontram-se significativamente distantes das médias móveis de médio e longo prazo, nomeadamente
as de 100 e 350 períodos, cujos valores rondam actualmente os 2.990 e 2.580 dólares, respectivamente.
Este afastamento exagerado em relação às médias móveis é, historicamente, insustentável, sendo expectável um movimento de regressão à média nos próximos tempos. É importante referir que o nível psicológico dos 3.000 dólares, recentemente ultrapassado, deverá ser testado novamente em breve, funcionando como um ponto de equilíbrio natural entre oferta e procura.
Adicionalmente, o MACD (Moving Average Convergence Divergence), que mede a força e a direcção da tendência, mostra sinais claros de divergência entre o preço e o momentum. Enquanto os preços continuam em alta, o histograma do MACD já evidencia perda de intensidade, o que, aliado à diminuição do volume de negociação, reforça a ideia de que a tendência poderá estar a perder força.
Outro dado relevante é o comportamento do volume. Apesar da subida, este tem mostrado sinais de esgotamento, com menos participantes a acompanhar os movimentos mais recentes. Essa situação, combinada com a divergência do MACD, costuma antecipar correcções técnicas.

Impacto nos mercados bolsistas e previsão de maior volatilidade
O comportamento recente do ouro não se explica apenas pela procura por segurança, mas também reflecte uma crescente deterioração da confiança nos activos de risco, em particular nas bolsas de valores. O movimento de fuga para o ouro, enquanto activo de refúgio, coincidiu com correcções acentuadas em índices como o S&P 500, o Nasdaq e o DAX, que, ao longo dos primeiros meses de 2025, registaram perdas acumuladas, pressionadas por incertezas políticas, conflitos geopolíticos e receios quanto à saúde económica global.
A correlação inversa entre o ouro e os mercados accionistas intensificou-se desde o início da presidência de Donald Trump nos Estados Unidos. A sua retórica assertiva em matéria de política externa, os sinais de isolacionismo económico e a instabilidade institucional criaram um ambiente propício a maior prudência por parte dos investidores, aumentando o clima de volatilidade nos mercados globais.
No entanto, o início de Maio trouxe alguns sinais de estabilização nos mercados. Resultados trimestrais positivos de grandes empresas tecnológicas, como a Microsoft e a Meta, impulsionaram o S&P 500, que registou uma ligeira recuperação. Apesar disso, o índice continua a registar uma queda acumulada no ano, reflectindo a elevada sensibilidade dos mercados a qualquer novo factor de incerteza.
É provável que a tendência de volatilidade se mantenha nos próximos meses, especialmente se o ouro iniciar uma correcção mais acentuada em direcção aos 3.000 dólares por onça. Esse movimento poderá coincidir com um abrandamento da pressão vendedora nas bolsas, originando um novo equilíbrio entre os fluxos de capital defensivos e os activos de risco.
A partir daí, é expectável que haja um aumento das oscilações tanto no mercado accionista como nas matérias-primas. Este fenómeno, comum após movimentos extremos, exigirá maior rigor na gestão de risco e atenção redobrada por parte dos investidores e analistas. Num ambiente altamente reactivo, pequenas notícias poderão provocar movimentos significativos, dificultando a tomada de decisão racional e sustentada.
Assim, é razoável antecipar um período de forte volatilidade nos mercados financeiros, em que o ouro poderá sofrer correcções técnicas relevantes, tal como os índices bolsistas, criando oportunidades, mas também riscos para os intervenientes.

Trump, política e o poder de influência nos mercados financeiros
A nova presidência de Donald Trump nos Estados Unidos trouxe consigo um novo ciclo de incerteza e reactividade nos mercados. A sua postura imprevisível, aliada a declarações frequentes de tom agressivo, tem impacto directo no comportamento dos investidores e na valorização de activos sensíveis ao risco, como o ouro.
Desde Janeiro de 2025, a retórica de Trump em relação à China, às políticas comerciais e aos aliados tradicionais tem gerado movimentos imediatos nos mercados financeiros. Mesmo sem medidas concretas, as suas palavras influenciam expectativas e provocam oscilações. O ouro, por ser visto como um activo de refúgio, tende a beneficiar nos momentos em que a tensão política se acentua.
No entanto, o efeito pode ser ambíguo. Se, por um lado, o medo alimenta a procura por protecção, por outro, sinais de controlo e ordem podem restaurar alguma confiança, retirando força ao ouro e favorecendo activos de risco. Assim, a influência de Trump nos mercados continua a ser marcada pela imprevisibilidade e pelo impacto mediático, exigindo atenção redobrada por parte dos investidores.

Psicologia inversa e o uso de notícias nos mercados financeiros
Os mercados financeiros não reagem apenas aos factos, mas sobretudo à forma como esses factos são interpretados. A psicologia inversa desempenha aqui um papel crucial: muitas vezes, aquilo que parece ser uma má notícia é, na prática, o gatilho para movimentos de valorização, e vice-versa.
Num ambiente dominado por receios e expectativas, os investidores tendem a antecipar o comportamento do mercado em vez de reagir apenas à realidade. Por exemplo, uma notícia negativa já amplamente esperada pode gerar uma subida das bolsas ou uma correcção no ouro, precisamente porque o mercado já tinha descontado esse risco. Da mesma forma, declarações alarmistas podem provocar movimentos técnicos de curto prazo, mesmo sem alteração real dos fundamentos.
Este fenómeno é visível também no comportamento do ouro. A sua valorização recente tem sido alimentada por uma sucessão de manchetes negativas e pelo medo instalado. No entanto, quando o medo atinge o seu pico, o mercado pode reagir de forma contrária, com vendas técnicas motivadas por uma leitura de que o pior já passou.
A psicologia inversa reforça a importância de uma análise fria e objectiva; o investidor que compreende esta dinâmica não reage ao pânico generalizado, mas posiciona-se estrategicamente, aproveitando os exageros do mercado a seu favor.

Conclusão, o inevitável regresso à média
O percurso recente do ouro reflecte um contexto de medo global, tensão política e fuga ao risco. Atingir os 3.500 dólares por onça em Abril de 2025 foi, sem dúvida, um marco histórico, mas também um sinal de que o mercado poderá ter entrado numa fase de euforia técnica e emocional.
A análise fundamental e técnica aponta para sinais de exaustão. O afastamento acentuado em relação às médias móveis de 100 e 350 períodos, numa visão a médio prazo, os indicadores de sobrecompra, as divergências no MACD e a quebra de volume reforçam a ideia de que uma correcção é não só possível, mas provável. O nível dos 3.000 dólares, pela sua relevância psicológica e técnica, surge como uma zona natural de reencontro entre oferta e procura.
Este movimento de regresso à média é um comportamento típico dos mercados após fases de desequilíbrio. Também os principais índices bolsistas, que têm vivido um início de ano marcado por perdas e volatilidade, poderão atravessar uma fase de ajustamento, com oportunidades para os mais atentos e disciplinados.
Numa altura em que o ruído mediático é intenso e a influência política é elevada, o desafio do investidor é manter a clareza, resistir à emoção e confiar na leitura rigorosa dos dados. O ouro continuará a ter um papel relevante, mas não é imune às leis do mercado. E, como tantas vezes acontece, quando todos acreditam que “só pode continuar a subir”, é precisamente quando começa a cair. 

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